"I hope the fences we mended
Fall down beneath their own weight"

John Darnielle

padaoesilva@gmail.com

quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Regresso à infância



Há um sem número de tentativas para explicar o fascínio que o futebol exerce, mas a mais conseguida de todas é do escritor Javier Marías. Para este madrileno, o futebol é uma “recuperação semanal da infância”. Sentados na bancada, somos, a um tempo, “selvagens e sentimentais” – devolvidos a um contentamento desprovido de racionalidade, como aquele que só se conhece em criança.
Não por acaso, não se descobre a paixão pelo futebol na vida adulta. Pode haver quem construa uma relação com um clube já de “barba feita”  e seja capaz de decorar burocraticamente nomes de jogadores e esquemas tácticos. Tudo isso é possível. Mas, peço desculpa, de futebol ou se aprende a gostar em criança ou então está-se condenado a um estatuto de curioso. E um curioso é alguém capaz de se distanciar emocionalmente do jogo e, mais importante, da camisola do seu clube. Um curioso pode apreciar futebol e chega a entusiasmar-se com a seleção; um adepto tem uma fixação, que se sobrepõe a tudo o resto, no seu clube.
Como observou Marías, “o futebol é das poucas coisas que me fazem reagir hoje em dia da mesma maneira que reagia quando tinha dez anos e era um selvagem”. Ninguém tem dúvidas que a forma como vamos olhando para tudo na vida vai mudando com o passar dos anos. O mesmo não acontece com o futebol. Falo por mim: em nenhum outro lugar regresso ao olhar ingénuo que, em criança, tinha da vida como quando vejo o Benfica no Estádio da Luz.
As peregrinações dominicais para ver o Glorioso eram vividas com uma transcendência religiosa, mas nada se comparava a uma noite europeia. Para a criança que recupero, semanalmente, nos jogos do Benfica, os jogos da UEFA eram momentos únicos de celebração de uma paixão incondicional.
Sei, por isso, que, hoje à noite, vou sentir uma ansiedade sôfrega quando me sentar no meu lugar no Estádio. Espero que os jogadores, quando pisarem o relvado, sintam a mesma emoção. Podem ter muita cultura táctica e jogadas de laboratório, mas, para em Maio ganharmos a Champions no nosso Estádio, precisamos de onze crianças com uma crença irracional no Benfica.

o meu artigo de ontem na "Luz Intensa" do Record