"I hope the fences we mended
Fall down beneath their own weight"

John Darnielle

padaoesilva@gmail.com

segunda-feira, 6 de abril de 2009

O estado da cooperação estratégica

Não há volta a dar, a cooperação estratégica entrou em estado pré-comatoso. Basta ler o prefácio aos Roteiros do Presidente. Logo no início, Cavaco Silva afirma que “todos os esforços devem estar centrados na recuperação do atraso económico” e que “é de todo incompreensível que a agenda política seja desviada para temas que provocam fracturas na sociedade portuguesa, que dividem os Portugueses e distraem a sua atenção da resolução dos problemas nacionais”. Imagino que esteja a falar do casamento entre pessoas do mesmo sexo (esse horror civilizacional) e do estatuto político administrativo dos Açores. Mas tirando o facto de os exemplos serem retirados do último ano, trata-se do mesmo apelo de sempre à despolitização da, passe o pleonasmo, disputa política. Nisso Cavaco Silva nunca surpreende: o que é mesmo necessário é que nos entendamos todos. De preferência em torno daquilo que o Presidente acha que são as prioridades para o país.
Senão veja-se: na semana passada, o Ministro das Finanças disse com clareza que a prioridade era o combate ao desemprego, Cavaco Silva valoriza a dívida pública – não há outra leitura possível da frase: “É importante que os poderes públicos tenham presente a situação em que se pretende que o País se encontre quando a crise financeira internacional estiver ultrapassada, de modo a que as possibilidades de desenvolvimento futuro não fiquem comprometidas”.
São naturalmente duas opções divergentes e politicamente legítimas, mas que sugerem que a cooperação é virtuosa desde que seja em torno da agenda do Presidente. Além de que Cavaco Silva faz lembrar a Senhora Merkel, mais preocupada com a crise que se pode seguir a esta, do que em responder aos problemas que enfrentamos, de facto, hoje.
No fim fica a promessa: “Na situação que o País atravessa, o Presidente da República não pode limitar-se ao diagnóstico, havendo que ter presente, no entanto, que não lhe cabe legislar ou governar. Nesse sentido, tenho procurado apontar o caminho que Portugal deve seguir para ultrapassar a quase estagnação em que tem vivido”.
Como os caminhos apontados começam a ser suficientemente diferentes dos do Governo, podemos esperar dois efeitos: o fim da cooperação estratégica com o Governo; e a subalternização da oposição partidária, que tenderá a viver cada vez mais debaixo do chapéu presidencial. Ou seja, dois efeitos indesejáveis que, em ano de várias eleições, não auguram nada de bom.